Nota de repúdio a ação equivocada da Guarda Metropolitana

No dia 15 de dezembro do corrente ano, houve o primeiro Circuito Cultural no Ginásio Ayrton Senna. O evento faz parte do projeto Cultura MP, realizado pelo Ministério Público Estadual e Unidos Por um Mundo Melhor – UP MM, em parceria com o Centro de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente – Cedeca Glória de Ivone, Defensoria Pública, Fundação Cultural de Palmas, Polícia Militar e vários segmentos do movimento Hip Hop de Palmas. O projeto foi construído a partir de debates coletivos entre os parceiros com objetivo de promover ações preventivas ao suicídio e automutilação, diálogo sobre drogas, e sobretudo, a descriminalização do movimento hip hop.

Destacamos a importância do MPE em promover ações como esta, por compreender que é uma pauta necessária na garantia dos direitos das pessoas que vivenciam essa cultura e por fomentar a transformação social.

Vale ressaltar que esta ação foi legitimada e fortalecida pela participação de todos os elementos do Hip Hop, na figura de coletivos e grupos da cidade.

Apesar das diversas parcerias estabelecidas e a relevância do projeto Cultura MP, quase ao final do evento ocorreu uma intervenção policial oriunda da Ronda Ostensiva Municipal (ROMU), que integra a Guarda Metropolitana da capital, devido a uma denúncia caluniosa sobre invasão e depredação do patrimônio público proferida pelo servidor público do Ginásio, que no momento estava em serviço. No ocorrido os agentes de segurança pública agiram de maneira violenta, constrangedora e ofensiva, mandando que meninos e meninas, em sua maioria adolescentes, sob a mira de armas de fogo, colocassem as mãos ao alto e ainda que alguns/as ajoelhassem para realização da revista.

Destaca-se que neste episódio, a equipe policial contava apenas com agentes do gênero masculino, e ainda assim, houve averiguação em pessoas do gênero feminino, sendo esta uma violação à dignidade humana. Esse conjunto de ações, acrescentando que o servidor, além da denúncia falsa, desligou as luzes do ginásio e o som mesmo com a atividade em andamento e sem o consentimento da equipe organizadora do evento, prejudicou a programação final do evento.

Ainda que os trabalhadores da segurança pública municipal justifiquem que o procedimento adotado esteja de acordo com o POP – Procedimentos Operacionais Padrão, a ação de mandar que as pessoas se ajoelhassem sem que as mesmas tenham apresentado qualquer objeção à revista, provocou tamanha humilhação e desrespeito, ferindo os direitos humanos.

Apontamos também que minutos antes dessa intercorrência a Guarda Metropolitana havia realizado revista vexatória e violenta na redondeza do prédio do ginásio junto a adolescente e jovens que estavam participando do evento.

Considerando a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, a Constituição Federal, de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, de 1990.

Considerando que jovens, crianças e adolescentes tem direito à cultura, esporte e lazer.

Considerando que a praça é lugar público para garantia do direito à cidade, além do próprio ginásio que é espaço público, portanto para fins de uso esportivo e cultural de toda a comunidade.

Considerando que o evento contou com toda documentação legal necessária para acontecer, inclusive autorização da Fundação de Cultura e Esportes de Palmas para se fazer uso do ginásio.

O ocorrido exposto acima viola os direitos assegurados nas legislações e mantém a compreensão de que uma expressão cultural derivada das regiões periféricas e de pessoas pobres e negras é algo criminoso. Estas ações silenciam e mortificam a voz dos jovens, negros, pobres e periféricos expressa nos elementos do Hip Hop, retirando os direitos fundamentais para existência de um sujeito. Sendo esta uma maneira subjetiva de matar jovens negros. Neste sentido, o perfil epidemiológico das tentativas de suicídio no Tocantins (Fernandes; Ferreira; Castro, 2016) dos anos de 2010 a 2014 revelam que as maiores taxas de tentativa de suicídio se encontram na raça negra de 20 a 24%. Destaca-se que os jovens negros no Tocantins não tem morrido apenas de forma subjetiva, mas concreta também. De acordo com o Atlas de Segurança Pública de 2018, no ano de 2016, no Tocantins, a cada 100 mil habitantes mortos, 38,5 são negros.

Nós repudiamos tal ação. E declaramos que o genocídio dos negros, periféricos e pobres não pode continuar neste país, tão pouco em nosso Estado e cidade, e sobretudo o desrespeito e criminalização do movimento Hip Hop, principalmente por parte dos agentes de segurança pública.

Assim, instamos o poder público a respeitar as expressões culturais e as vidas negras deste estado; e a instaurar procedimento para averiguar o abuso de autoridade e calúnia, apurando com celeridade e publicidade para a responsabilização dos agentes públicos envolvidos. Ainda, propomos que o poder executivo promova capacitação e formação dos agentes para uma abordagem não violenta e respeitosa.

Assinam essa nota:

Articulação Brasileira de Gays (Artgay)
Associação Brasileira de Juristas Pela Democracia - ABJD- TO
Associação de Conselheiros e Ex-conselheiros Tutelares do Maranhão (ACECTMA)
Associação dos Estudantes de Roraima (Assoer – RO)
Associação Nacional dos Centros de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente Seção DCI Brasil - Anced
Banda Lado63
Batalha do Ginásio - BDG
Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente - Cedeca Glória de Ivone
Coletivo Batalha das Manas
Coletivo de grafite Abacaxi Urbano
Coletivo de Grafite Zero63 Crew
Coletivo feminista de mulheres negras - AJUNTA PRETA
Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente do Tocantins (Cedca – TO)
Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Palmas (CMDCA)
Conselho Regional de Psicologia - 23ª região
Conselho Regional de Serviço Social – 25ª região/TO – CRESS
Conselho Tutelar de Paragominas – PA (CT – Paragominas/PA)
Consulta Popular - TO
Fórum Estadual de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente - Fórum DCA/ TO
Fórum Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente do Acre (FEDCA - AC)
Frente Brasil Popular -TO
Levante Popular da Juventude - TO
Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT)
Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Roraima (Sinjops - RO)
Unidos por um Mundo Melhor – UPMM

20 de dezembro de 2018
Palmas - TO