Sexta, 23 Fevereiro 2018

Anced divulga nota sobre a intervenção militar no RJ

A Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente – ANCED/Seção DCI Brasil em nota pública divulgada na última quarta-feira, 21, expressou posição contrária a intervenção militar na segurança pública do Estado do Rio de Janeiro, decretada no dia 16 deste mês, e repudiou a fala do Ministro da Justiça Torquato Jardim ao Correio Brasiliense na terça-feira, 20, ao tratar sobre o tema, segundo a nota.

A organização considera que o Rio de Janeiro não necessidade de intervenção militar, mas sim de políticas públicas qualificadas e efetivas que respeitem os direitos de todas as pessoas, principalmente de crianças e adolescentes.

Confira nota na íntegra:

NOTA PÚBLICA DA ANCED/SEÇÃO DCI BRASIL SOBRE A INTERVENÇÃO MILITAR NO RJ

A Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente – ANCED/Seção DCI Brasil, organização da sociedade civil de âmbito nacional que atua na defesa dos direitos humanos da infância e adolescência brasileira, vem a público expressar sua posição contrária a intervenção militar na segurança pública do Estado do Rio de Janeiro e repudiar a fala do Ministro da Justiça Torquato Jardim ao Correio Brasiliense no dia 20/02/2018 ao tratar sobre o tema.

Considerando sua trajetória de respeito ao Estado Democrático de Direito e luta intransigente contra os desmandos vistos no turbulento período pelo qual passa o país, a ANCED/DCI Brasil reafirma que as trincheiras manipuladas pela mídia e interesses escusos que atualmente se encontram a frente dos poderes institucionais continuarão a ser denunciadas e enfrentadas com a força característica que compõe a sociedade civil, sempre visando o respeito ao interesse maior e prioridade absoluta da criança e do adolescente.

As raízes dessa atitude interventora, em flagrante conflito com a constituição federal de 1988, conclama toda a sociedade a refletir sobre as graves repercussões que se apresentam. Com o uso cada vez mais frequente das Forças Armadas, sobretudo em solo carioca, o Estado brasileiro lança mão de uma alternativa descabida e eleitoreira, ferindo cada vez mais as populações vulneráveis e historicamente violadas em seus Direitos Humanos, nos territórios periféricos. A imagem de fracasso do Estado, no que tange a garantia do direito a segurança pública, se reverte no perigo iminente da proliferação do uso desproporcional da força, de práticas de tortura e de execuções sumárias, extrajudiciais e arbitrárias por parte de agentes públicos.

As Forças Armadas não apresentam preparo algum para a ação de policiamento ostensivo, levando em conta o lema da garantia da lei e da ordem, tendem a exercer com vigor o “braço forte” contra a periferia, e ofertar a “mão amiga” para interesses exclusos.

Seguindo as orientações do Comitê dos Direitos da Criança (CRC) das Nações Unidas, na Observação Geral nº 10, de 25 de abril de 2007, o CRC “reconhece que a preservação da segurança pública é um objetivo legitimo do sistema judicial. Sem embargo, considera que a melhor forma de lograr esse objetivo consiste em respeitar plenamente e aplicar os princípios básicos e fundamentais da justiça em favor das Crianças e Adolescentes, proclamados na Convenção”.

Assim pois, diante da intervenção militar aplicada com violações graves aos Direitos Humanos de crianças e adolescentes, a não permissão do usufruto do território por atuação militar é de impacto extremamente gravoso a condição prévia de garantia a um ambiente de confiança e segurança, a cargo de profissionais competentes, incluso no âmbito da segurança pública, formados em técnicas que levem em conta a convivência familiar e comunitária.

É sabido que a extensão do crime organizado e o domínio desse em certas áreas do Estado do Rio de Janeiro, bem como em outros estados do país, é fruto – sobretudo - da inação do Estado pela sua histórica ausência e inefetividade de políticas públicas. No Brasil, milhões de crianças não têm garantido se quer os direitos fundamentais. Crescer em condições de pobreza e vulnerabilidade afeta o bem-estar, a integração social e reduz as oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento, apresentando, ainda, consequências mais graves, pois ameaça a própria sobrevivência do indivíduo, abolindo quaisquer possibilidades de acesso a uma vida digna.

Em tempo, aproveitamos o ensejo para repudiar as declarações do Ministro da Justiça Torquato Jardim, em entrevista ao Correio Brasiliense, realizada no dia 20/02/2018, que ao tratar do tema afirma que “Não há guerra que não seja letal”, desconsiderando que o combate ao crime não autoriza a prática, pelo Estado, de violações de direitos individuais, de medidas sem respaldo constitucional e que penalizam apenas a população pobre.

Além disso, ao ser questionado sobre a pressão que estão fazendo os militares para salvaguardarem suas ações, o Ministro dispõe “ser um problema seríssimo, que demandará equilíbrio emocional do soldado para decidir”, finalizando com um exemplo violento e estigmatizante, no qual simula a avaliação de um militar sobre a vida de um adolescente de 15 anos: “você está no posto mirando a distância, na alça da mira aquele guri que já saiu quatro, cinco vezes (do sistema), está com a arma e já matou uns quatro. E agora? Tem que esperar ele pegar a arma para prender em flagrante ou elimino a distância?” Grifos Nossos.

Tal expressão é digna de repudio e se faz necessária a imediata retratação pública, uma vez que é inaceitável que exemplos de adolescentes com seus direitos violados, mesmo em razão da própria conduta, alimentem discursos de ódio e justificativa para matar, em total violação ao reconhecimento de crianças e adolescentes como sujeito de direitos, de sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento e de prioridade absoluta.

A ANCED/DCI BRASIL afirma que o Estado do Rio de Janeiro, bem como o Brasil não necessitam de intervenção militar em quaisquer hipóteses, mas sim da presença de políticas públicas qualificadas e efetivas, que respeitem os Direitos Humanos de todas e todos, em especial de Crianças e Adolescentes, em um contexto onde a democracia seja novamente a pedra de toque das ações empreendidas pelo Estado brasileiro.

Brasília/DF, 20 de fevereiro de 2018.

Coordenação da ANCED/Seção DCI Brasil